Caio Júnior: ‘Minha vinda para o Bota teve o dedo de Deus’
Rio - Os tempos do Caio Júnior “Harry Potter” ficaram, definitivamente, para trás. Do visual da época de Flamengo só restaram mesmo os óculos e a vasta cabeleira. Algumas rugas no rosto e, principalmente, uma barba rala — mantida graças ao pedido dos filhos, Matheus, de 19 anos, e Gabriel, de 14 anos — comprovam a mudança externa. Mas a maior transformação foi interior. Depois de quase três anos longe do Brasil (nas passagens pelo futebol japonês e árabe), Caio Júnior volta muito mais amadurecido e com um grande desafio pela frente: repetir, em seu país natal, a trajetória vitoriosa nos dois anos em que comandou o Al-Gharafa, no Catar, onde conquistou três títulos importantes — o Campeonato Nacional, a Star Cup e a Copa do Sheik Tamim.
Apesar de estar feliz com o resultado do seu trabalho, o novo técnico do Botafogo tem consciência de que o reconhecimento só vira com uma grande conquista no melhor futebol do planeta. Uma ambição que ele não abre mão. Mas, para isso, sabe que terá que conquistar a exigente torcida alvinegra, que sonha ver o time jogando para frente. Exigência que, para um atacante do passado (defendeu o Grêmio durante muitos anos), é quase uma obrigação.
MB: Você está ansioso em seu primeiro contato com a torcida alvinegra?
CJ: Vamos ver qual vai ser o comportamento da torcida. Eu gostaria que eles me dessem tempo para mostrar o trabalho. Vou fazer de tudo para agradá-los, para que tenham muitas alegrias no estádio. Mas sou muito profissional e vou respeitar qualquer atitude porque faz parte da minha profissão.
MB: O Loco Abreu é ídolo da torcida mas tem um temperamento considerado difícil por muitos. Isso te preocupa?
CJ: Já convivi com jogadores com este perfil e não tive problemas. Trabalhei com o Edmundo, com o Marcos, no Palmeiras. Temperamento forte é uma coisa e ter personalidade, outra. Eu trabalho com argumentos. Se ele argumentar e me convencer, desde que me respeite publicamente, não tem problema nenhum. Eu gosto que o jogador fale, mas tem que saber o que está falando. O jogador tem que ser o meu aliado sempre e vou fazer de tudo para que ele seja.
MB: Você acredita que foi o destino que acabou te trazendo para o Botafogo?
CJ: Minha vinda para o Botafogo teve o dedo de Deus. Tive várias situações possíveis antes de acontecer tudo o que aconteceu. Eu tinha contrato com o Al Gharafa até maio. Não havia nenhuma possibilidade de eu sair. Inclusive, tive uma sondagem do Atlético-PR e o fato de estar em Coritiba me balançou, mas não tinha hipótese de o Sheik me liberar. Conversei com ele, mas, um mês depois, isso mudou completamente. Aí, coincidiu com a saída do Joel exatamente nesse momento. Eu acredito no destino e em Deus.
MB:Você é católico praticante?
CJ: Somos católicos e, principalmente, somos uma família de muita fé. De acreditar muito em Deus e no fato de que Ele tem as coisas encaminhadas para a gente. Costumo ir à missa. No Catar, a gente tinha dificuldade, pois havia uma igreja católica, mas que era complicado para ir. A gente praticamente não frequentou a igreja lá. Agora, voltando ao Brasil, vou voltar a frequentar.
MB: A barba é para mudar a sua imagem?
CJ: Nunca tinha usado. Foi uma surpresa imensa para a minha mãe. Eu usei durante um curto período no Catar e a tirei. Foi um pedido dos meus filhos. 'Pai, deixa a barba que fica legal'. É legal mudar alguma coisa, mas foi mais por um pedido deles.
MB: Com a barba você não lembra mais o Harry Potter...
CJ: Vamos esquecer o Harry Potter. A gente fala que o Brasil tem isso. A imprensa cria essas coisas e a gente faz parte. Eu sou um personagem do futebol. Eu acho até legal, quando a brincadeira é sadia. Quando não existe sacanagem, maldade, eu aceito esse tipo de coisa.
MB: O que faz para relaxar do mundo do futebol?
CJ: Jogo tênis, leio muito. Sempre li muito. Até isso foi fundamental para a consolidação da minha situação profissional. Eu fui comentarista, hoje sou técnico. É por aí. Eu aconselho a todos. Essa nova geração de Internet não lê. Quando se lê em Internet, se lê rapidamente. Não se lê linha por linha. Hoje as coisas são muito rápidas. Eu tenho muito medo dessa geração porque ela não consegue pensar. É só informação, mas não para para pensar. Então, é pegar o livro na hora de dormir. O segredo é na hora de dormir, com uma boa leitura para esquecer tudo o que você fez no dia, ou o que vai fazer no dia seguinte, senão você não relaxa.
MB: O que está lendo no momento?
CJ: Terminei um livro sensacional, que recomendo para todos os dirigentes: ‘A bola não entra por acaso’ (de Ferran Soriano), em relação à história recente do Barcelona. Foi escrita pelo vice-presidente de futebol do clube espanhol, que foi um cara que revolucionou o Barcelona. Mas não tenho uma regra, gosto muito de biografia. Em relação ao esporte, gosto de coisas ligadas à psicologia, pois preciso ter informações sobre futebol. Adoro entrar em uma livraria e ficar buscando este tipo de livros.
MB: Alguma biografia te marcou muito?
CJ: Não sei se é coincidência, mas a do Garrinha (Rui Castro) mexeu comigo. Ele era descendente de índios e já tomava cachaça ainda pequeno. Isso muda completamente a imagem que deveríamos ter dele. Ficou aquela imagem de que ele era alcoólatra, mas só quem leu e sabe o que Garrincha passou sabe que a cachaça era um remédio para ele. O Garrincha sofreu demais. Foi uma biografia que me marcou demais.
MB: Como você avalia este momento da sua vida?
CJ: Estou feliz, me sinto muito feliz por ter o que eu tenho, as coisas que eu conquistei. O principal, para mim, é a família que eu formei. Tenho uma mulher (Adriana) e dois filhos maravilhosos, que são a base de tudo. Meu filho mais velho (Mateus) estuda nos Estados Unidos, faz business internacional, no Mississippi, e joga futebol na universidade. É muito bom de bola. Puxou o pai (risos). O Gabriel também joga, só que é mais apegado à família, ficou conosco enquanto estivemos fora do Brasil. Mas independentemente da parte profissional, eu sempre vou estar amparado pela minha família. Isso é o básico e o mais importante para mim.